domingo, 22 de setembro de 2013

EU NÃO TENHO NINGUÉM... (João 5.7)


“Achava-se ali um homem que, havia trinta e oito anos, estava enfermo. Jesus vendo-o deitado e sabendo que estava assim havia muito tempo, perguntou-lhe: ‘Queres ficar são?’. Respondeu-lhe o enfermo: Senhor, eu não tenho ninguém, que ao ser agitada a água, me ponha no tanque, mas enquanto eu vou, desce outro antes de mim. Disse-lhe Jesus: ‘Levanta, toma o teu leito e anda. Imediatamente o homem ficou são e, tomando o seu leito, começou a andar” (O Evangelho sob a narrativa de João, 5.5-9)


Desde muito cedo em minha vida fui atraído pelo Evangelho sob a narrativa de João, pois li esta narrativa, pela primeira vez, quando tinha 9 anos de idade. Costumo referir-me a este livro da Bíblia desta forma, porque não concordo com o uso convencional no meio teológico, da expressão “os quatro evangelhos”. Embora, sob o ponto de vista acadêmico, pode-se aceitar a análise neotestamentária que aponta as narrativas de Mateus, Marcos e Lucas como sinóticas (similaridade ótica na exposição dos acontecimentos históricos na vida e ministério terreno do Senhor Jesus), e para a narrativa de João como assinótica (por sua dissimilaridade em relação às três narrativas supracitadas, no atinente à mesma vida e ministério terreno do Senhor Jesus), particularmente, creio ser mais coerente manter o pensamento paulino de 2 Coríntios 11.4b e Gálatas 1.6-8 sobre a essencialidade e singularidade do Evangelho de Jesus, o qual é único e axiomático. Paulo faz uso do adjetivo “ετερος” que aponta para um “outro/diferente” evangelho, o qual se contrasta com o adjetivo “άλλα” que se refere a “outro/igual”, com mesma qualidade e essência. Destarte, o apóstolo diz “...outro (ετερο) evangelho...o qual não é outro (άλλα). Ora, se é ετερος não é άλλα e, portanto, são diferentes e excludentes! Assim, se houvessem quatro, um seria o verdadeiro Evangelho e os outros seriam falsos. Por isso refiro-me aos escritores apenas como narradores do mesmo Evangelho, ou seja, o Evangelho sob a narrativa de Mateus, Marcos, Lucas, e João, o qual é o “...evangelho eterno...” (Apocalipse 14.6)


A narrativa de João, além de enfatizar seu objetivo temático, ou seja, Jesus como o Cristo profetizado no Antigo Testamento, pelos oito sinais criteriosamente selecionados como evidências incontestáveis (João 20.30,31), e também pelos contextos situacionais de diálogos entre Jesus e os que o recebiam ou rejeitavam, trata-se de uma denúncia contundente da falsa piedade da religião judaica, caracterizada, dentre outros flagrantes gritantes, pela indiferença e negligência com os pobres, necessitados, doentes e marginalizados, os quais viviam em situação abjeta, enquanto havia fartura na mesa do rei, dos sacerdotes e levitas, e dos escribas e fariseus. Observe que no primeiro verso o escritor diz que Jerusalém estava em festa! Em outros textos, João especifica o tipo de festa (Veja 6.4: Páscoa; 7.2: Tendas; 10.22: Dedicação), mas neste texto utilizou um termo genérico “uma festa dos judeus”, como uma denominação indefinida proposital, para enfatizar o olhar do lado de fora para o circulo fechado da fé que exclui, discrimina, e marginaliza os outros/diferentes!


“... e Jesus subiu a Jerusalém.” 


Este Jesus que sobe a Jerusalém e incorpora em si e através de si as lamentações de Jeremias sobre o reino do sul, tendo Jerusalém como sua capital, é o mesmo Deus do profeta, que lamentará sobre esta cidade, por sua alienação espiritual (Lc 13.34), seu autoengano religioso caracterizado por sua falta de amor. Ele é o verbo encarnado, o Deus do profeta Oséias que já havia passado por Samaria (capital do antigo reino do norte), e falado da Água Viva para a mulher samaritana, cumprindo a profecia do reencontro do “marido de amor ultrajado” que insiste na reconciliação com “sua mulher adúltera” (Israel), e agora sobe para Jerusalém, para reencontrar-se com Judá.
Ali havia um tanque chamado Betesda (do hebraico: “Casa de Graça”) e uma grande multidão de enfermos, cegos, mancos e ressecados. Aqui a denúncia do apóstolo sob a inspiração do Espírito profético aponta para uma multidão, no meio da qual ninguém tem nome, gente abandonada e, ao mesmo tempo, vitimada pela opressão da lei, impossibilitados de ver a Luz, de caminharem em direção à Luz e de viver uma vida produtiva e frutífera em sua interação social. Gente que jazia no ócio da castração psíquica e espiritual, na inoperância, na impossibilidade, na inércia, na invalidez, na esperança moribunda. Gente que orbitava ao redor do templo do icabode (Leia I Samuel 4.21), pois a glória do Senhor não estava lá há muito tempo! E por isso teria que se apegar à loteria da sorte do suposto agitar das águas de um tanque, por um suposto anjo.


“Achava-se ali um homem, que havia trinta e oito anos, estava enfermo.”


Os trinta e oito anos neste texto traz uma significação que vai muito além do tempo de suplício que este homem vinha sofrendo. Trata-se de um número que se referia ao ciclo de vida de uma geração. Veja Deuteronômio 2.14:


“E os dias que caminhamos, desde Cades-Barnéia, até passarmos o ribeiro de Zerede, foram trinta e oito anos...”


É um número que se aproxima do número quarenta, o qual serviu de ênfase denotativa tanto de tempo de opressão como tempo de paz e prosperidade em um reinado (Compare Juízes 13.1 e 2 Samuel 5.4).


Trinta e oito anos ali no meio da multidão, sofrendo a miserabilidade da rejeição social, do complexo de inferioridade, do complexo do não-ser por não ter nada e ninguém. Trinta e oito anos sabendo sem poder participar das festas cerimoniais dos judeus. Trinta e oito anos de invisibilidade social, marginalizado, excluído, esquecido na solidão acompanhada por muitos outros “ninguéns”. Trinta e oito anos como um alguém-ninguém que estava tão próximo dos religiosos que o distanciavam de qualquer contato afetivo, e obstruíam qualquer possibilidade de acesso às suas festas fartas.
Mas Jesus, que também é o mesmo Deus do profeta Amós, que profetizou contra a injustiça social, contra o descaso, a omissão e falsa religiosidade de Judá (Leia Amós 5.22-24), veio ao encontro deste pobre miserável. É interessante a atenção dada por Jesus a este homem:


“Jesus vendo-o deitado e sabendo que estava assim havia muito tempo...”


JESUS É O DEUS QUE VÊ E SABE!!!


Após Jesus perguntar-lhe se ele queria ficar são, o paralítico diz:


“SENHOR, NÃO TENHO NINGUÉM...”


Não há dúvida de que o Evangelho sob a narrativa de João está denunciando o pecado da negligência daqueles que se autodenominavam os guardiões da Torá (Jo 5.39); descendência de Abraão (Jo 8.33, 39), filhos de Deus (Jo 8.41), discípulos de Moisés (Jo 9.28). Mas, onde estavam os sacerdotes e levitas? Onde estavam os escribas e fariseus? Onde estavam os adoradores do templo que foram ensinados a amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmos (Mc 12.29-31 cf. Dt 6.4,5 e Lv 19.18)? 


TODOS ELES QUE SE JULGAVAM SER O QUE ERAM, NA VERDADE SE TORNARAM NINGUÉM PARA AQUELE HOMEM, PARA AQUELA MULTIDÃO DE DESPREZADOS E, CONSEQUENTEMENTE PARA DEUS! PORQUE QUEM NÃO É PARA O PRÓXIMO TAMBÉM NÃO É PARA DEUS!!!


Enquanto os líderes religiosos julgavam “ser”, na verdade não “eram”, nem para o paralítico, nem muito menos pra Deus. 
Na carta aos romanos (Rm 2.11ª, 24 e 28-29), o apóstolo Paulo critica aquele que se denominava judeu, termo que era atribuído a si mesmo como um adjetivo que qualificava o sujeito como “aquele que louva a Deus”, dizendo que ao invés de o nome de Deus ser louvado, estava sendo escandalizado entre os gentios, e conclui seu pensamento dizendo que o verdadeiro judeu o é no coração, no espírito e não na letra.
De forma semelhante, o Senhor Jesus desmascara a performance religiosa e a “blasfêmia daqueles que se dizem judeus e não são, mas mentem, porém, são da sinagoga de Satanás.” (Ap 2.9)


“DIZER SER” NÃO SIGNIFICA “SER” DE FATO!


Na verdade as coisas que para nossa concepção "são", não são de fato para Deus. E as coisas que para nós "não são", são para Deus! Portanto, as coisas somente são quando são determinadas por Deus, porque somente DEUS É e só Ele pode, do nada, criar as coisas que realmente são!! Nós somos porque DEUS É e quis que fôssemos. Como uma antiga canção citada por Paulo, o apóstolo,


"Porque Dele, por Ele e para Ele são todas as coisas." (Rm 11.36)


E ainda, como uma referência de Paulo a um trecho da filosofia estóica, em Atos 17.28, a qual ele atribui a Deus, diz:


"Porque Nele vivemos, nos movemos, e existimos...".


Para o paralítico não havia ninguém entre eles que fosse expressão de amor e solidariedade. O deficiente físico era ninguém para eles, e eles eram ninguém para o paralítico.
Mas Jesus que é, sempre foi e sempre será (Hb 13.8 e Ap 1., e que na narrativa de João se apresenta como o GRANDE EU SOU de Êxodo 3.14 (Leia com carinho e atenção João 6.35, 41, 48, 51; 8.12; 10.7,9; 10.11,14; 11.25; 13.13,19; 14.6; 15.1,5), vê aquele homem, sabendo seu estado, e age como ALGUÉM que pode curá-lo imediatamente! (Jo 5.9)


E VOCÊ E EU? SOMOS DE FATO ALGUÉM QUE DIZEMOS SER?
SE FORMOS ALGUÉM PARA DEUS, SEREMOS ALGUÉM PARA O PRÓXIMO!


ATÉ QUANDO O CLAMOR DE MILHARES DE DEFICIENTES FÍSICOS, DOENTES, POBRES E MARGINALIZADOS SERÁ NEGLIGENCIADO POR AQUELES QUE DIZEM SER SACERDÓCIO REAL (I Pe 2.9)?


Em Apocalipse 1.6 diz que Cristo Jesus “nos fez reino e sacerdotes para Deus, seu Pai...”. Nós aprendemos a invocar o Reino de Deus na oração do “Pai Nosso” (Lc 11.2), e buscar o Reino de Deus e a Sua justiça (Mt 6.33), mas será que, de fato, estamos sendo expressão palpável deste Reino de justiça e equidade?


Até quando ouviremos este grito de desespero e abandono: “EU NÃO TENHO NINGUÉM”?


Até quando milhares de pessoas, escravas do analfabetismo funcional, ávidas pelo acesso à educação, clamarão: “EU NÃO TENHO NINGUÉM”?


Até quando milhares de pessoas sofrerão o descaso da assistência médica, e continuarão aguardando em filas intermináveis de espera por atendimento médico, gemendo de dor e dizendo: “EU NÃO TENHO NINGUÉM”?


Até quando multidões de injustiçados esperarão pela justiça de causas que já foram ganhas há muitos anos, mas nunca recebem os seus direitos, e lamentam dizendo: “EU NÃO TENHO NINGUÉM”? 


Como disse o profeta Habacuque:


“Por que razão me fazes ver a iniquidade e a opressão? (...) Por esta causa a lei se afrouxa, e a justiça nunca se manifesta; porque o ímpio cerca o justo, de sorte que a justiça é pervertida.” (Hab. 1.4)


Até quando o Brasil continuará sofrendo pela insaciabilidade nefasta, insana, egoísta, inescrupulosa e nefanda desses monstros esclerosados, sem nenhum sentimento, apáticos, e de consciência cauterizada? ATÉ QUANDOOOOOOO???!!! 


Até quando a ignorância e a miséria, que oprimem nossa nação, continuarão sendo a alimentação e retroalimentação da hegemonia da malignidade sádica,despótica, perversa e avassaladora? ATÉ QUANDOOOOOOO???!!! 


Até quando nossas doenças psicossomáticas, engendradas pela apatia funesta e descaso consciente desses corruptos-corruptores, continuarão sendo suas garantias de atendimento médico nos melhores hospitais do Brasil e do mundo? ATÉ QUANDOOOOOOO???!!! 


Até quando ficaremos algemados e amordaçados pelo espírito do ser-sempre-colonizado, sempre passivos à exploração e à humilhação? Até quando nos sujeitaremos ao fatalismo que sempre se rende de forma acrítica às imposições da manipulação tirana desses narcisistas avarentos? ATÉ QUANDOOOOOOO???!!!


Queremos uma CPI rigorosa, imparcial, que faça justiça, colocando na cadeia essa corja de ladrões, confiscando todos os bens e fortunas adquiridos de forma desonesta, e o ressarcindo ao povo brasileiro os milhões e milhões de reais que dia após dia são desviados, deixando milhares de brasileiros marginalizados, sem acesso à educação, à saúde, à moradia, e, sobretudo, à sua dignidade e verdadeira cidadania.


Queremos justiça e equidade!


NÃO HÁ NINGUÉM?


Em meio a esta multidão de gente que professa pertencer ao Reino de Deus, onde estão aqueles que assimilaram o Evangelho do Cristo vivo, e que por meio de Seu Espírito em amor, não tendo suas vidas por preciosas, e estarão dispostas a ouvir e atender a este clamor: “EU NÃO TENHO NINGUÉM”?


NÃO HÁ NINGUÉM?


Onde estão os advogados de Cristo, os médicos de Cristo, os pedagogos de Cristo, os dentistas de Cristo, os engenheiros de Cristo, os cientistas de Cristo, os empresários de Cristo, empregados de Cristo que trabalham como ao Senhor, as diaristas de Cristo, os coletores de lixo de Cristo, os pais, as mães, os filhos, a família de Cristo? Onde estão os pastores e ministros de Cristo?


NÃO HÁ NINGUÉM?


O Brasil está no ápice entre os países mais corruptos do mundo, com um alto índice de analfabetismo funcional, com vereadores inescrupulosos vendendo diplomas para pessoas de mau caráter que querem "se dar bem". Quando é que, de fato, aqueles que professam a fé no Evangelho do Reino, sairão à luta, no cumprimento de sua apostolicidade, voz profética que denuncia a corrupção política e político-eclesiástica, de proclamação do Evangelho de libertação (não apenas para salvar as almas, mas também o espírito e o corpo!). Se as instituições evangélicas estivessem, de fato, sendo expressão encarnada de Cristo no mundo, com certeza teríamos pessoas se dando em amor para fazer o melhor na política e, consequentemente, na educação, na saúde, e numa vida comunitária que desfrutasse da justiça e da equidade!
Gastaríamos muito menos dinheiro e tempo com construções de templos faraônicos, e investiríamos em "pedras vivas" (I Pe 2.5), em "templos do Espírito Santo" (I Co 3.16; 2 Co 6.16; Ef 2.20-22, formando soldados com grande habilidade de utilizar "as armas da nossa milícia" (2 Co 10.4-5), os quais dedicariam o seu maior tempo no 'campo" que é o mundo (Mt 13.38a), lutando contra as fortalezas de Satanás que atuam no campo da mente (2 Co 4.4). Se o nosso povo brasileiro não for educado, continuará sujeito ao psiquismo coletivo da autocomiseração de gente sempre subalterna e passiva ante à opressão.
"Imediatamente o homem ficou são; e, tomando o seu leito, começou a andar." João 5.9


O Evangelho genuíno é a manifestação do amor de Deus por meio de Jesus Cristo, que se aproxima, dialoga, liberta e promove a dignidade humana, reinserindo o indivíduo marginalizado, no meio social, dando-lhe mobilidade para caminhar com os seus próprios pés.


Todo aquele que crê e está nele, encarna em si e por meio de si, o poder transformador do Evangelho!


Com a restauração dos atributos da personalidade (razão, vontade e autoconsciência) por meio do Evangelho poderoso de Cristo, pois os mesmos são subordinados à mente de Cristo (I Co 2.16b), ao sentimento de Cristo e vontade de Deus (Fp 2.5 e Rm 12.1-2), sem dúvida alguma, seremos cooperadores de Deus para a libertação de nossa nação de sob este jugo nefasto da corrupção e opressão!


ASSIM COMO O SENHOR JESUS VIU E SOUBE SOBRE O ESTADO DAQUELE HOMEM, ELE VÊ E SABE DO SOFRIMENTO E CLAMOR DE MULTIDÕES AFLITAS E OPRIMIDAS. ELE VÊ E SABE ONDE ESTÃO OS SEUS POUCOS “ALGUÉNS” QUE VERDADEIRAMENTE SE IMPORTAM E SE EMPATIZAM COM A DOR DE SEUS SEMELHANTES!
QUE O SENHOR NOS GUARDE DA HIPOCRISIA DA FALSA FÉ NO EVANGELHO!!!


OBS.: ESTA REFLEXÃO FAZ PARTE DE UMA SÉRIE DE MINHAS MINISTRAÇÕES BÍBLICAS COM BASE NO EVANGELHO DE JESUS, SOB A NARRATIVA DE JOÃO.


Texto de VALTER CARVALHO DA SILVA

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